Desenvolvedores brasileiros evitam áreas indígenas em meio a incerteza legal
Quantum Commodity Intelligence – Vários desenvolvedores de projetos de carbono florestal decidiram se retirar de áreas indígenas no Brasil devido à incerteza contínua sobre seu status sob as metas climáticas do Acordo de Paris no Brasil em sua contribuição nacionalmente determinada, enquanto outros prometeram permanecer nessas terras.
O Brasil possui mais de 700 territórios indígenas, dos quais cerca de 500 são oficialmente reconhecidos pelo estado, abrangendo 14% da área de superfície do Brasil.
Muitos desses territórios atraíram a atenção de grileiros e, portanto, são particularmente relevantes para projetos de carbono.
Mas, no ano passado, a agência de assuntos indígenas do Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai), emitiu orientações desencorajando os desenvolvedores de carbono de entrarem nessas terras até que regulamentações mais firmes sejam estabelecidas a nível federal.
E, em março, promotores federais declararam que contratos de carbono com comunidades indígenas deveriam ser anulados pelo mesmo motivo, em meio à incerteza contínua sobre se e quando o Brasil aprovará uma nova lei de mercado de carbono.
Desenvolvedores disseram há algum tempo que consideram tais projetos uma “questão sensível” devido ao risco de serem criticados por ONGs e meios de comunicação, e porque esses esquemas exigem antropólogos treinados e protocolos especiais para se envolver com as comunidades, além de uma quantidade substancial de trabalho.
A cautela parece ter aumentado ainda mais nos últimos meses, com muitos desenvolvedores agora dizendo abertamente que fecharam a porta para projetos indígenas até novo aviso, em grande parte devido à incerteza legal.
Esse é o caso da Carbonext, uma das maiores empresas de investimento baseadas na natureza do país, que disse à Quantum durante uma reunião recente que encerrou todas as atividades nessas áreas.
A empresa, com sede em São Paulo, foi criticada pela imprensa brasileira no ano passado por um projeto nas terras indígenas Kayapó, no sul do estado do Pará, embora a empresa tenha dito que o projeto nunca esteve na fase em que negociações formais estavam na mesa, acrescentando que a questão foi exagerada pela imprensa local.
Incerteza legal
Terras indígenas têm um status especial na constituição brasileira.
Embora a propriedade da terra, e, portanto, dos créditos de carbono a ela ligados, pertença ao estado federal, as tribos indígenas reconhecidas têm o direito de usar e cuidar da terra em que residem, um direito conhecido como usufruto.
Isso, juntamente com a urgência de proteger essas terras diante do desmatamento crescente, foi usado por alguns para justificar a criação de projetos voluntários de carbono.
O Brasil está em processo de exame de um projeto de lei de mercado de carbono que regulará essas questões de forma mais completa.
Um projeto aprovado pela Câmara dos Deputados, a câmara baixa do Congresso Nacional do país, no ano passado, abordava os direitos das comunidades indígenas sobre seu território, buscando efetivamente regular a prática.
Qualquer projeto desenvolvido em território indígena deve dar às comunidades pelo menos 40% dos créditos de carbono gerados por atividades de reflorestamento e 60% por conservação florestal (REDD+), de acordo com o projeto.
Ele também afirma que o desenvolvedor do projeto deve consultar as comunidades antes de qualquer ação e precisará pagar todas as despesas incorridas durante esse processo.
No entanto, especialistas afirmaram que é provável que o projeto seja alterado antes de a lei ser adotada, com alguns pedindo diretrizes menos específicas sobre terras indígenas e a preservação de um nível mais alto de flexibilidade.
Enquanto isso, alguns desenvolvedores mantiveram atividades em áreas indígenas.
Explorador lendário
Em março, o empresário americano Michael Greene disse que estava por trás de 13 projetos desse tipo no Brasil, sob o padrão colombiano CerCarbono, que estão em desenvolvimento há mais de uma década.
O desenvolvedor usou uma abordagem única, na qual não possui o projeto em si e trabalha diretamente com grupos indígenas para treiná-los no processo de criação de um esquema REDD+, chamado Indigenous Carbon. Greene disse que as comunidades indígenas gerenciam diretamente os projetos e são responsáveis pelo consentimento livre, prévio e informado.
“Conversei com os indígenas e eles afirmaram que não estão preocupados com (a atual incerteza legal), e alguns dos grupos já se apresentaram à Funai e ao Ministério Público”, disse Greene à Quantum.
O antecessor da Funai, o Serviço de Proteção aos Índios, foi criado pelo lendário explorador brasileiro Cândido Mariano da Silva Rondon em 1910.
Rondon foi o primeiro funcionário público proeminente a defender a inclusão das tribos indígenas na nação brasileira, em uma época em que muitos no país defendiam abertamente sua destruição.
O explorador trabalhou por décadas com tribos indígenas, notavelmente os Bororo e Nambikwara, para construir linhas telegráficas através da floresta amazônica, e foi tão bem-sucedido que um estado brasileiro inteiro foi nomeado em sua homenagem: Rondônia.
Algumas das tribos que fazem parte do projeto Indigenous Carbon de Greene, como os Cinta Larga, foram encontradas pela primeira vez por uma expedição composta pelo próprio Rondon e pelo ex-presidente americano Theodore Roosevelt em 1913.
Em março, a Quantum conversou com vários membros da comunidade Cinta Larga, situada em Rondônia, via link de vídeo.
Eles possuem o projeto REDD+ Joao Bravo, que cobre 327.458 hectares e já emitiu 5,4 milhões de créditos de carbono, e o projeto REDD+ Rio Roosevelt, que cobre 221.876 hectares e emitiu 3,2 milhões de créditos.
Eles contaram uma história de empoderamento através dos créditos de carbono e de serem mais capazes de combater ameaças externas, como mineração e agricultura.
“Começamos este projeto há 12 anos. Na época, era muito difícil saber o que era um projeto de crédito de carbono. Com o tempo, trabalhamos com ONGs, com outra empresa, mas não tivemos sucesso”, disse Elizabete Cinta Larga, uma representante da comunidade.
“Agora reiniciamos este projeto e fizemos todas as etapas, consentimento livre e informado, assembleias com os Cinta Larga, onde o projeto foi 100% aceito. E acreditamos nisso, e agora que estamos na fase de venda de créditos, estamos ansiosos”, acrescentou ela.
Da maneira mais conservadora possível
Um segundo conjunto de projetos é operado pela filial brasileira do desenvolvedor colombiano Biofix. O projeto Kaa Pyahu da empresa está sendo desenvolvido sob o Padrão Verificado de Carbono do registro Verra, com sede nos EUA, e está localizado no estado do Maranhão, no norte do Brasil, abrangendo uma área que inclui 269 aldeias indígenas, e entregará 220.000 toneladas de dióxido de carbono equivalente de reduções de emissões (tCO2e) por ano, segundo as estimativas do desenvolvedor.
Aproximadamente 1.500 líderes indígenas foram consultados sobre o projeto Kaa Pyahu e votaram unanimemente a favor dele, de acordo com Jeronimo Roveda, diretor jurídico da Biofix.
“Há muitos recursos que poderiam ser direcionados [às comunidades indígenas]”, disse Roveda à Quantum em uma entrevista.
“Conhecemos as necessidades dessas populações, mas tanto do setor público quanto do privado, há um medo de um risco reputacional de colocar dinheiro nessas comunidades”, disse ele.
Um segundo projeto, Ilha do Bananal+, que está registrado no CerCarbono, está localizado em Tocantins, beneficia 42 aldeias indígenas e espera gerar 884.046 tCO2e por ano.
Além das duas iniciativas, Roveda disse que a Biofix está atualmente realizando estudos de viabilidade em outros três projetos em terras indígenas.
A Biofix traz uma equipe de antropólogos para analisar a viabilidade social de um projeto em casos onde as comunidades não têm um documento formal, como um estatuto público registrado, definindo seu processo de tomada de decisão, segundo Roveda.
A equipe revisa como as comunidades locais se organizam, quem supervisiona esses processos de tomada de decisão e os conflitos preexistentes dentro desses grupos para estabelecer quem deve ter voz na autorização da implementação do projeto.
Além disso, a Biofix interage com os indígenas em sua língua nativa, novamente com o apoio dos antropólogos, para dar confiança às comunidades e contornar críticas das autoridades brasileiras sobre projetos anteriores em que os contratos foram escritos em inglês.
“Há um risco? Sim, há [mas] não estamos fazendo nada ilegal”, acrescentou Roveda.
“A constituição permite que eles [os indígenas] desenvolvam projetos, dentro de sua autonomia, autodeterminação e dentro das garantias para recursos naturais que ela lhes fornece dentro dos territórios indígenas”, disse ele. “E fazemos o processo de consulta livre da maneira mais conservadora possível”, acrescentou.
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